Código de Processo Penal não protege as crianças

José Fernando Silva esteve no último dia do Colóquio Luso-Alemão

“Estamos ainda longe de dar o passo adequado para a protecção dos interesses da criança”. José Fernando Silva, da Faculdade de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa, esteve hoje na Universidade do Minho (UM) e integrou o último painel do Colóquio Luso-Alemão do Simpósio de Direito Processual Penal. O docente falou na “Representação dos menores em processo penal” no dia em que o homenageado Figueiredo Dias fechou o ciclo de conferências.

O facto de que os pais são quem legalmente tutela as crianças e os seus interesses faz com que estes sejam por vezes negligenciados, já que os pais também são agentes de delito. Foi em torno desta problemática que o professor da instituição lisboeta fez incidir o seu discurso. Segundo José Fernando Silva, o interesse superior da criança faz com que "importe definir quem está em melhores condições para saber qual é esse interesse", os seus representantes legais ou o Ministério Público (MP).

De facto, garantiu o docente, "o direito de queixa está conferido aos representantes legais da criança, mas esse direito deve ser exercido pelos representantes legais no âmbito do interesse da criança", o que nem sempre acontece. Porém, "o MP pode excepcionalmente substituir-se aos representantes legais e ultrapassar a inércia deles". Só assim se pode fazer com que o bem-estar da criança se sobreponha ao dos seus representantes legais. Mas essa é uma saída que não defende totalmente o infante "Estamos ainda longe de dar o passo adequado para a protecção dos interesses da criança", concluiu José Fernando Silva.

O professor criticou ainda a "relativamente tímida" influência dos casos de delito contra crianças no Direito Processual Penal e apresentou uma resolução para o problema actual. Seria melhor “reservar para o MP essa decisão [do que é melhor para a criança], com o prévio recurso a indivíduos da pedopsiquiatria”, afiançou, defendendo que procurar uma conciliação com os representantes legais, embora com predominância da decisão do MP, seria também desejável. Os representantes legais poderiam opor-se à decisão do MP, cabendo depois a um juiz a decisão final.

Singulares devem dar a cara pelos crimes colectivos

Um tema completamente distinto foi o que dominou os 25 minutos de intervenção do docente da Universidade Católica de Lisboa Germano Marques da Silva. Examinando a distinção jurídica entre pessoa singular e pessoa colectiva, o professor catedrático sublinhou que "a acusação será nula" quando não mostrar os factos que separam o papel dos agentes do do órgão de trabalho na prevaricação.

A grande falha da legislação actual é que "se refere a infracções dos órgãos e não dos titulares dos órgãos", indicou Marques da Silva, acrescentando que "a culpa da pessoa colectiva é culpa própria dos seus agentes". Urge, assim, que "esta praxe não se agrave", antes seja terminada. "A pessoa colectiva deve estar representada" em tribunal por um seu agente, nos termos dos seus estatutos e da lei geral, sublinhou, acrescentando que deve recair sobre esse indivíduo a acusação.

Da Universidade de Friburgo, na Alemanha, veio Peter Hünerfeld, que informou que no seu país "a vítima não tem voz definitiva" nas decisões em Tribunal. Ao invés, Portugal, cuja realidade jurídica conhece, tem em conta quatro entidades cuja participação tem importante peso na deliberação final: MP, juiz, réu e ofendido.

Figueiredo Dias fechou o simpósio

A manhã deste último dia de debate sobre o Processo Penal ficou ao encargo das docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Anabela Rodrigues e Maria João Antunes, do professor da Universidade de Friburgo Hans-Jörg Albrecht e dos docentes Paulo Sousa Mendes e Paula Ribeiro de Faria, da Faculdade de Direito das Universidades de Lisboa e Católica do Porto, respectivamente.

O dia terminou com a sessão solene de encerramento, presidida pelo vice-reitor da UM Acílio Estanqueiro Rocha, o Presidente da Comissão Executiva do Simpósio, Mário Ferreira Monte, e os Presidentes da Escola de Direito da UM e do seu Conselho Directivo, Luís Couto Gonçalves e José de Faria Costa. Homenageado pelo simpósio, o criador do Código de Direito Processual Penal em vigor, Figueiredo Dias, fechou o dia e o ciclo de conferências com um discurso sobre os "problemas e perspectivas do processo penal em Portugal".

Imagem: Rui Rocha/ComUM

Artigo original. Versão editada aqui (ComUM)

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